sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Fascismo guardado, por Victor Loback

 Em tempos de crise como os que o estado do Rio de Janeiro vem passando, emergem os mais obscuros pensamentos. São comuns os comentários revoltosos que exprimem o desejo de assassinato de massas marginalizadas, promovendo verdadeiros “sociocídios”. O que se vê é uma discussão rasa acerca de todos os problemas pelos quais o estado passou historicamente, na qual o assassinato sobressai, mais uma vez, tal qual em outros espaços e tempos, como a panacéia para todos os males.
Evita-se pensar sobre o que leva ao crime, todas as condições adversas às quais comunidades inteiras estão sujeitas. Não quero dizer, obviamente, que pobreza signifique violência, no entanto se traçássemos um perfil dos traficantes procurados verificaríamos que, em grande parte, são fruto de um meio hostil que não lhes proporciona opções que possam competir com as ilusórias trazidas pelo crime. Dinheiro, prestígio na comunidade e influência são ideais buscados pelos jovens e adquiridos com o tráfico. Infelizmente.
Ou mexemos profundamente nas estruturas que engendram a sociedade e deixam à margem tais jovens, ou nunca solucionaremos o problema da violência. Interesses maiores e poderosos estão em jogo e estes sim precisam ser combatidos. O problema deve ser atingido em sua raiz, não apenas através de medidas que punam pessoas com as quais a sociedade não soube lidar. Estas, por sua vez, têm direitos, sobretudo à vida, e merecem julgamentos justos – se é que tais julgamentos existem.  
À título de conclusão em problemas inconcluíveis, deixo um pequeno texto do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano. O texto se chama “Os Ninguém” e está presente no “Livro dos Abraços”.

As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Quem construiu as portas de Tebas?, por Victor Loback

Por mais que corramos, não conseguimos fugir do tema Eleições. Esta é minha primeira postagem no blog e, sinceramente, gostaria que ela fosse mais otimista, mas as circunstâncias não permitem.  Debates sucessivos me trazem a idéia do quanto o povo foi relegado a segundo plano e o que está em jogo é, cada vez mais, o poder. O poder pelo poder simplesmente.
Em um mundo no qual cada vez mais “ignorância é força”, o que vemos pelas teletelas não passa de uma encenação entre candidatos iguais lutando por si e por seus partidos. Ao invés do esclarecimento de propostas, o que vemos é a reivindicação da autoria de alguns projetos – não importa sua abrangência, qualidade ou fundamento. Todos se dizem construtores de Tebas, mas de fato ninguém carregou as pedras. Os operários, aqueles que carregam as pedras, seguem no anonimato, alguns pensando que ao apertar três botões terão sua vida resolvida.
Ao longo da vida democrática representativa, passamos a acreditar que nosso dever/direito cívico se esgota no momento em que votamos e que este deve ser exercido apenas bienalmente. Sendo assim, alienamo-nos do direito à decisão para garantir este direito a outrem. Mais prático talvez, mas de forma alguma mais eficaz – pelo menos não o é para quem se alienou de seus direitos.
Talvez hiperresponsabilizemos as eleições, mas tampouco podemos menosprezá-las. Elas estão postas e, por enquanto, é o que temos de concreto. Não quero ser conformista e dizer que elas bastam. Não, não bastam. E tenho plena noção do quão dificultoso será tentar separar o joio do joio no domingo 31. Temos que votar de modo consciente, claro, mas sabendo que nosso real dever/direito cívico não se esgota na urna. Devemos buscar soluções alternativas e enfim, coletivamente, construirmos a Tebas que queremos.


sábado, 2 de outubro de 2010

Retratos da situação política às vésperas das eleições: Política e Geografia, por Felipe Cavalcanti

A motivação em escrever as breves análises e opiniões sobre esse tema não vem de hoje. Entretanto, no dia que antecede ao comumente chamado o exercício democrático por excelência, o pleito eleitoral, a colocação de algumas reflexões parecem bastante oportunas de serem colocadas, pensadas e debatidas. Enquanto geógrafo, me parece importante pensar a política independentimente de sua situação de estabilidade ou crise, uma vez que a meu ver o cerne da geografia se encontra na política, não só aquela do Estado-Nação, mas também nas esferas imediatas do cotidiano do homem e toda a complexidade das inúmeras instâncias e escalas das relações de poder que se manifestam espacialmente. A questão é que mesmo se considerando as formas de poder nas relações mais gerais entre cada um de nós, a tônica para se discutir uma política institucional se torna eminente, pois estamos há poucas horas das eleições, e o governo que reger-nos-ão afetará não só a política institucional do Estado, como também outras muitas demais formas de poder, em um maior ou menor grau. A geografia, por ser a ciência que estuda o espaço da morada do homem - a superfície terrestre - e a construção de sua espacialidade deve entender os sujeitos, estes homens e mulheres, que antes de tudo são socialmente dispostos e se organizam em sociedade uma vez que mediados pela política, o público, o coletivo, sintetizados no chamado contrato social. É por isso que para a geografia e para os geógrafos se torna fundamental se falar de política, sobremaneira em tempo de eleições, com o agravante de serem ainda - não só, mas também - eleições presidenciais.
Infelizmente, a concepção de política hoje se encontra profundamente esvaziada. Enquanto nossos representates se orgulham - em um profundo ufanismo - em dizer que o Brasil é um dos países mais democráticos do globo, parece não ser muito importante para eles discutir uma questão central: Afinal, o que é a democracia? Hoje, podemos, ainda que de forma grosseira e generalizada, dizer que a democracia, segundo os óculos do governo, é sinônimo de representação. Esta (con)fusão democracia-representação está tão arraigada e inculcada em todos nós, que não raro não atentamos para esse fato. Enquanto isso, nós só depositamos na urna os votos naqueles que acreditamos que representar-nos-ão melhor. No ato de representar encontramos uma ambiguidade: a de tranferir os poderes particulares à um poder de governança mais restrito e legítimo, enquanto socialmente aceito pelo contrato; como também o de representar tal como um ator, logo, atuando e simulando certas coisas. Então, via regra, votamos com o primeiro sentido da representação (transferência de poder) e não raro, nossos "representantes" atuam de forma a conceder privilégios à uma elite e promessas que não se concretizam às massas. Conforme aprendi com um brilhante professor, se fosse possível um antigo grego olhar para a nossa democracia, certamente ele diria que erramos no conceito. Diria que estamos em uma aristocracia, uma vez que é o governo dos melhores. Assim como quando vamos ao médico, queremos ser atendido pelo melhor, queremos o melhor professor, o melhor para as nossas vidas, igualmente vamos querer o melhor governo na direção do Estado. Para aqueles gregos de Atenas, a democracia representa deliberação pública na ágora por parte de todos seus concidadãos, se configurando assim um auto-governo das massas. É bem provável que ninguém duvide a impossibilidade de se viver politicamente como os gregos, quando temos hoje, milhares de anos após e no Brasil, uma população que se mede na casa dos milhões. População essa que como diziam Michels, Paretto e Mosca (a corrente elitista) está dividida em massas e elites e na visão destes, a história representa um "cemitério de elites" como o mesmo professor - Renato Lessa - explicava em suas brilhantes aulas. Cemitérios pois a elite se conservava no poder, podendo ter a sua hegemonia colocada em xeque por uma contra-elite. Mas nesse conflito que resulta em uma instabilidade, caso a contra-elite saia vencedora, sairá do conflito enquanto elite hegemônica. O que questiono aqui é a falta de ação política por parte da população como um todo. A falta de participação é tão intensa que se traduz até no termo política, uma vez que ao ouvir a palavra "política", imediatamente associamos à esfera da política institucional, como algo alheio de nós. Enquanto não participarmos de forma menos limitada, enquanto não se tiver comida para todos, enquanto não se tiver casas e condições dignas para todos, não podemos falar em democracia. Assim como não podemos entender a democracia em toda sua plenitude enquanto acreditarmos que somos cidadãos uma vez a cada dois anos e aceitar - como é conveniente para o governo e ele assim quer que o seja - que as eleições são a maior festa democrática do país. Eu me pergunto que outra "festa" democrática que nós somos convidados, ou intimados a comparecer? A própria obrigação de se votar já não feriria esta mesma democracia? O que consigo apreender é que este ano o espírito da eleição está sem dúvida festivo: Enfeites excessivos que tentam nos convencer ou nos coagir a votar naqueles candidatos e segundo, até mesmo o palhaço está na festa, concorrendo a disputa para deputado federal. Três vivas para o palhaço Tiririca. Viva o pior que tá não fica. Viva, seja lá o que for o que faz o deputado federal. Viva o voto de protesto no palhaço, a democracia. E quanta hipocrisia!
A descrença na política parace se acentuar mais e mais, enquanto nas ruas se vê mais propagandas, uma verdadeira poluição visual da paisagem. Contradição bizarra essa: A política se encontra profundamente desacreditada e se apela em propaganda em cima de tal descrença. Nunca antes eu havia visto tantos panfletos e cartazes nas ruas do meu bairro. As propagandas não eram nem mesma retiradas durante a madrugada, estão lá 24 horas por dia! Somado a essa falta de credibilidade para com a política, vemos candidatos dos mais estapafúrdios e com as propagandas mais absurdas pedindo nossos votos. Pior ainda, não raro escuto dizer que quem votará neste tipo de candidatos o fará como voto de protesto. Um completo absurdo! Não consigo conceber tal forma de protesto, seria isto sim, um atestado de incompreensão e falta de politização crítica.
Talvez eu possa propor que nossa pseudo-democracia é fruto do projeto de uma ditadura que não tinha mais o apoio para se manter como tal, no poder. O milagre foi por água a baixo, com isso a classe média descobria que a ditadura praticava torturas e perseguia opositores políticos, promovia atentados. Assim o regime militar perde seus pilares de sustentação. Mas a abertura (política) foi lenta, gradual e segura, como queria Geisel. A anistia foi ampla, geral e irrestrita. Todo o caminho rumo à democracia era trilhado pela ditadura. E o que dizer do último militar no poder, Figueiredo, que declarou que levaria o país a democracia, nem que tivesse que ser na base da porrada? Quer queiramos, quer não, essa é a nossa herança democrática. No meu olhar como geógrafo, atento para a questão da educação e em particular, é claro, a geografia. Foi na ditadura militar que a geografia virou estudos social, junto com a história, para o ensino fundamental. O currículo escolar ainda acrescentava educação moral e cívica para atender aos auspícios militares criando um sentimento ufanista desde a tenra idade. A geografia, por sua vez tinha que estar ao serviço do regime, e assim estaria sendo somente se fosse desinteressada, despolitizada, neutra, que decora o nome dos rios e das capitais, ou simplesmente "simplória e enfadonha", como diz Lacoste. Mas como essa geografia ajudaria ao sistema se apresentando deste modo? O mesmo Lacoste nos dá a pista. Diz ele que essa geografia tem de parecer nada interessante para camuflar e obscurecer seu real significado. "A geografia - Isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra". Quem faz a guerra é o Estado e nela se precisa conhecer o espaço de forma estratégica, foi assim que surgiu a geografia, para atender ao Estado. Mas, tanto como a geografia não serve so para fazer a guerra, ela então pode servir ao Estado de outras formas, ocultando essa sua face nas escolas. No contexto de uma ditadura militar, se falar de política é extremamente inconveniente. Mas como fazer com a geografia, que é um conhecimento essencialmente político na observação e decifragem do espaço do homem? A resposta foi dada camuflando o "real propósito" da geografia, que surge da guerra, da estratégia. Estranhamente, não é raro ouvir-se dizer que na época da ditarua a escola pública era de qualidade, entretanto, mesmo que tal postulado seja verdadeiro, a educação não poderia ser crítica. Hoje o quadro se inverte. Em razão da possibilidade da educação pública ser crítica, ela é sucateada e degradada, o que resulta na mesma falta de consciência política. O que muda é tão somente a natureza das restrições. Enquanto na ditadura a restrição era explícita, em nossa democracia ela é dissimulada, alegando-se falta de recursos para investimentos na educação. Um dos principais desafios da geografia hoje é servir à sociedade, contra as injustiças praticadas pelo Estado e por seus privilegiados.
Eis que os jovens, tanto os que foram na ditadura quanto os de hoje, em sua grande maioria desconhece um dos prpósitos encantadores da geografia: a política. A escola, enquanto organização do governo da qual depende a maioria dos estudantes não os formou de forma crítica e de forma politizada. Amanhã, eles assim como nós votaremos e nossas opções não são muito das melhores. Na verdade, eu particularmente acho que nunca se teve tantos absurdos e descrença na política. Basta olharmos para alguns de candidatos. Tiririca, mulher melão, Romário, Bebeto. Tem para todos os gostos, palhaços, mulher fruta, esportistas.
Por fim, cabe salientar que a geografia, assim como a política não tem nada de neutra como alguns querem que no contrário se acredite. Cabe a nós decidirmos e nos orientarmos explicitamente com relação a nossas escolhas, essa seria a ética mais apropriada quando se entende a inexistência da neutralidade. É por isso que eu destaco um candidato que só veio a me surpreender e acreditar na mudança, em um mundo melhor, na polítização e no espírito de transformação dos jovens. O candidato a presidência Plínio Sampaio, foi o que me pareceu mais coerente e fiel aos seus princípios, a sua luta e ao seu partido.