Em tempos de crise como os que o estado do Rio de Janeiro vem passando, emergem os mais obscuros pensamentos. São comuns os comentários revoltosos que exprimem o desejo de assassinato de massas marginalizadas, promovendo verdadeiros “sociocídios”. O que se vê é uma discussão rasa acerca de todos os problemas pelos quais o estado passou historicamente, na qual o assassinato sobressai, mais uma vez, tal qual em outros espaços e tempos, como a panacéia para todos os males.
Evita-se pensar sobre o que leva ao crime, todas as condições adversas às quais comunidades inteiras estão sujeitas. Não quero dizer, obviamente, que pobreza signifique violência, no entanto se traçássemos um perfil dos traficantes procurados verificaríamos que, em grande parte, são fruto de um meio hostil que não lhes proporciona opções que possam competir com as ilusórias trazidas pelo crime. Dinheiro, prestígio na comunidade e influência são ideais buscados pelos jovens e adquiridos com o tráfico. Infelizmente.
Ou mexemos profundamente nas estruturas que engendram a sociedade e deixam à margem tais jovens, ou nunca solucionaremos o problema da violência. Interesses maiores e poderosos estão em jogo e estes sim precisam ser combatidos. O problema deve ser atingido em sua raiz, não apenas através de medidas que punam pessoas com as quais a sociedade não soube lidar. Estas, por sua vez, têm direitos, sobretudo à vida, e merecem julgamentos justos – se é que tais julgamentos existem.
À título de conclusão em problemas inconcluíveis, deixo um pequeno texto do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano. O texto se chama “Os Ninguém” e está presente no “Livro dos Abraços”.
As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.